Na Teoria King Kong, Virginie Despentes faz um relato honesto sobre sua vida, sua sexualidade e uma crítica ácida sobre a inserção das mulheres na sociedade. A autora nasceu em Lyon, França. Publicou seu primeiro romance Baise-moi ( Me fode) aos 24 anos. Antes disso, trabalhou em lojas, como baby sitter, como prostituta e como resenhista de filmes pornô.
Sem papas na língua, fala “a partir da feiura e para as feias...as mal comidas, as incomíveis, as histéricas, as taradas, todas as excluídas do grande mercado da boa moça”. Faz uma análise crítica sobre o estupro, a prostituição e a pornografia.
Propõe a ideia de que a mulher não só se sente inferiorizada, mas é violentamente convencida por parte dos instrumentos de controle sobre a nocividade da independência.
Quanto a vivência do autoerotismo, o gozo feminino é um tabu ainda. A mulher é formatada para priorizar a satisfação do homem e calada a própria satisfação sexual, já que isto conduziria a exclusão social.
A ausência no âmbito político se explica neste sentido, já que precisa “sacrificar sua feminilidade para combater, triunfar e demostrar poder...é preciso se permitir dominar o outro publicamente”.
A maternidade como experiência feminina inevitável é lida como mais um imperativo da sociedade na qual muitas mulheres não podem nem questionar. Experiência que não se vivencia sem sensação de fracasso. Iguala homens e mulheres na forma como são tratados pela sociedade liberal: consumidores bons são consumidores inseguros. “O capitalismo é uma religião igualitarista, no sentido de que nos submete a todos e leva cada um de nós a se sentir preso dentro de uma armadilha, assim como estão presas todas as mulheres”.
As vivências de estupros são silenciadas por diferentes motivos, tanto do lado das agredidas quanto dos agressores. Pouca e nada da literatura fala de estupros, e geralmente se sente como algo horroroso. Foi com Camille Paglia, feminista americana, que encontra uma nova maneira de se posicionar. Se as mulheres quiserem sair de casa e circular livremente, para não ficarem pressas na mesmice da cena familiar, tem que se correr o risco.
Desde a antiguidade as cenas de estupro são representadas nos textos e artes.
Entende o estupro como parte da maquinaria política do capitalismo, onde “um sexo declara guerra ao outro, mostrando o gozo da anulação do outro, da sua palavra, da sua vontade, da sua integridade”. O objetivo principal por trás do controle da sexualidade feminina está a formação do caráter viril como “associal, pulsional e brutal” sendo o homem dominado pelo mesmo. Toda manifestação “feminina” (passividade, doçura, submissão, introjeção) é sufocada e negada.
Quanto à pornografia, refere que ela atinge nossas fantasias sexuais sem passar pela razão e que nossa libido é complexa e não responde ao que conscientemente queremos ser.
Para concluir faz uma leitura do filme King Kong, a versão de 2005 de Peter Jackson. O gorila seria uma metáfora de uma sexualidade híbrida que precederia a distinção de gêneros como politicamente imposta no final do século XIX.
“O feminismo é uma revolução...é uma aventura coletiva para as mulheres, para os homens e para os outros, uma revolução em marcha. Uma visão de mundo. Uma escolha”.
Para as gerações mais jovens estas ideias são melhor aceitas e motivo de militância política. Para as outras, custa bastante fazer uma crítica reflexiva sobre estes assuntos, porque o trabalho foi bem feito, nossa cabeça foi moldada para acreditarmos que devemos ser submissas, mães, bem casadas e ficarmos caladas e nos conformarmos com nosso papel.
Este texto tem a intenção de criar uma janela por onde poder deixar o ar entrar, para nos sentirmos menos culpadas se não temos vontade de cozinhar, se não queremos ter filhos, se não queremos responder a feminilidade “esperada”.
Tem muitas formas de ser mulher para além do modelo tradicional. Temos direito de nos reinventarmos.
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